quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A Velha lembrança

A mais velha lembrança que tenho é meio amarelada e silenciosa. É de uma visão mais baixa e mais simples, acho que isso é visão de criança. Bom, ela me trás um sentimento que não posso explicar (isso é irônico, afinal, para nenhum sentimento há explicação) e uma sensação melhor do que a que eu sinto hoje em dia.
Eu estava dormindo, meu sono não era como é agora. Minha mãe me acordou, tudo de uma maneira leve e sem culpa. Eu senti um cheiro de pão-de-queijo no ar, nada melhor do que tomar café da manhã com pão-de-queijo recém saído do forno. Era tudo amarelo, como uma foto velha, mas não tão velha... Foto mais ou menos do ano de 1997, batida por uma máquina de filme com problemas no flash. Eu não sei muito bem o que aconteceu, provavelmente eu levantei e fiz uma rápida higiene pessoal, como todas as crianças fazem. A cena seguinte que tenho em mente é a da sala, eu sentada da mesa de café, meu pai lendo sua Zero Hora, acho que dominical, ao sofá, e minha mãe na minha frente, também tomando café. Minha irmã não sei onde estava, nem tenho muitos registros dela pequena, não antes desse acontecimento. Eu, deliciada com aquele cheio de comida, cheiro de jornal de domingo, cheiro de vida nova, estava limpa por dentro. É uma sensação que não posso explicar, é pureza. No meio de tanta criancice, minha mãe comenta com meu pai que está na hora de matricular as crianças numa escola. Jardim A. Eu nem sabia direito o que era escola, então dei mais uma mordida no meu pão-de-queijo. Uma das coisas estranhas é que eu visualizo a lembrança não pelos meus olhos, e sim por uma visão de fora, câmera focando em cada pessoa e de frente para a mesa, com meu pai ao lado. O que me choca também é que naquele momento minha vida mudaria. Eu não teria mais o café quente de manhã, lá pelos nove ou mais, nem o tempo do mundo para ficar no meu canto, quieta, montando casas com dominó, criando histórias ou tendo idéias... Eu nem tinha idéia do que estava por vir. Nem tinha idéia que eu teria que passar treze anos estudando, para começar uma vida na faculdade, sem antes passar num vestibular. Sim, eu tinha quatro anos e pouco e nada me incomodava, nem mesmo o amarelado da vida, vista hoje pelos meus olhos jovens, cansados e surpresos com a simplicidade que as coisas eram e o sentimento lindo que percorria meu corpo quando tudo era uma brincadeira.


LP
04/12/2008


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