quinta-feira, 21 de maio de 2009

Antes que o sol nasça III

 Texto fictício.

Andei por aí meio perdida, sem ponteiro no relógio, nem caminho na vida. Perdi todas as horas, e os minutos que vi já passaram, agora, passado, já se tornou meu canto. Pesados e malditos, meus dias de pecado e preguiça rolaram escada a baixo, comigo junto. Desci até o fundo e não me ergui, nem sequer quis, aceitei o meu fim. De baixo do fim do mundo, meu mundo, que seja, nem o ar me aceita, e me suga os pulmões. Mas então por que eu? Por sempre eu, e eu? Eu só penso em mim e eu só falo de mim e ninguém me ouve. Grito meu nome, como fosse Deus, mas ninguém nem sabe quem sou. Nem no buraco em que estou alguém fala comigo sobre mim. Me perdi e não deram falta.
E então quem gostava de mim? Não era verdade. Nem meu relógio me marcava as horas, nem meu pecado me satisfazia. Nem eu mesmo me aguentava mais, enfim. Por isso me deixei cair, como um saco de lixo qualquer. Restos mortais de mim mesma, numa sacola de plástico. Rasgada. Caí no chão e me pisaram. Juntaram como se fosse comida estragada. Eu, estragada, bem que desconfiava que acabaria assim. Meus bolsos, que já nem eram, romperam e caíram meus diamantes. Falsos. Ninguém ligou, eu suja, estragada, pedras semi-preciosas e um olhar caído. Eu era a sacola, ou os restos, ou meu próprio relógio, mas era alguma coisa que já não adiantava mais. Achei meus ponteiros no chão, ao meu lado. Marquei-me meia-noite, nem um dia, nem outro. Um meio do termo da vida, ou seja lá como se chama isso. Falei meu nome e ninguém escutou. Não vendi minhas semi-preciosas e desejei ter meus diamantes, e meus bolsos. Costurados. Rasguei meus restos de mim e me decompus, em mente, tanto faz. Nem doeu, a pele eu já nem sentia. Tão amarga a derrota, tão desagradável a queda, mentirosos meus ponteiros que marcaram um minuto do dia seguinte (já que nem existia mais dia). E todos que levantaram o olhar procurando por mim, descobriram que eu só havia sido um cisco no olho deles. Me tiraram.
Como já antes esperado, deixei-me apodrecer onde caí. Acabei sem diamantes, amantes, tempos e sacolas. Acabei como qualquer um que já tenha desistido.


Luciana Pontes

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