segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Conversas alheias

Meio-dia de uma ensolarada segunda-feira e o ônibus Orfanotrófio cruzava seu caminho de costume. Os bancos, quase todos ocupados, suportavam o peso de jovens eufóricos, os quais muito gesticulavam e muito falavam sobre suas vidas. Histórias e mais histórias eram contadas por sobre aqueles assentos de ônibus, enquanto as rodas se esfolavam no asfalto. Qualquer que fosse a parada que alguma das pessoas descesse, não importava, pois as vozes que lá se ouviam não diminuíam por um minuto. À esquerda de quem passasse pela roleta, a alguns passos antes da porta de saída, duas meninas conversavam, calmamente, em contraposição ao sentimento das palavras ao redor. Ambas sentavam lado a lado, ocupando os amarelados bancos reservados. Em voz que se podia de perto ouvir, falava uma menina de cabelos presos:
 
- É incrível, mas quando se fala em arte, até parece que está se cometendo pecado!
- Como assim? Isso acontece? - Perguntou outra menina, esta de óculos.
- É claro! Uma amiga minha, por exemplo, disse que fazia teatro para os pais e eles a proibiram de fazer na hora em que souberam. Eu não sei o que as pessoas pensam que se faz em cima do palco. Os pais dela deveriam levar em consideração que ela, ao fazer teatro, estava frequentando lugares bons e estava na companhia de amigos... E ainda, fazendo arte. É que ela vem de família italiana, sabe... tem que trabalhar com a família e só. O que acontece é que ela continuou participando das aulas de teatro, mentindo para os pais que fazia aulas de matemática. Eu mesma menti com ela. Dá uma dor na hora de olhar nos olhos dos seus pais e brindar aos bons estudos matemáticos... Mas é por algo que sabíamos ser melhor.
- Nossa... - Arqueou as sobrancelhas a garota de óculos.
- É que quando se faz esse tipo de coisa se tem uma sensação de liberdade. A gente descobre ser preso a uma rotina e a um mundo "cruel". Tipo, trabalhar em escritório... Simplesmente impossível ficar vendo o Sol pela janela.
- Sim, eu penso nisso também. Não tem como passar o resto da vida trancado num escritório...
- Tá, mas, tu já viu que quando a gente diz que não quer trabalhar em escritório todo mundo nos tira pra vagabundo né... Como se esse fosse o único trabalho que existe. Eu prefiro mil vezes trabalhar no que eu gosto durante 24 horas por dia do que passar 8 horas trancada numa sala apertada... É que o pessoal quer dinheiro né... Eu não quero... Odeio dinheiro... Quero fazer o que eu gosto... Bá, não dá pra trabalhar vendo o sol nascer quadrado... É praticamente isso né!
- Concordo contigo... Eu penso nisso também. É uma tortura olhar pra fora da janela e ver um dia lindo lá fora... - A menina de óculos parou um pouco de falar, olhando para o vidro do ônibus. Logo mais, disse - Bá, eu tava pensando em fazer o Enem de novo...
- Bá, já passou - Comentou a menina de cabelos presos.
- Não, eu sei disso. To dizendo pro ano que vem... Acho que eu vou tentar alguma coisa nova, sei lá.
- Sim, também vou fazer isso... - Concordavam os cabelos presos com fita.
- Tu vai fazer pra quê?
- É a minha média da UFRGS não pode ser recalculada pro curso que eu quero, daí vou ter que prestar vestibular e Enem de novo. Bá, mas eu sou bem louca de largar tudo e ir em busca do curso que eu quero.
- E qual é? -  Perguntou a de óculos.
- Teatro... O pior é que tem poucos cursos. Tipo, tem a UFRGS aqui em Porto Alegre e tem um em Montenegro.
- Bá...
- Ah, mas eu iria. Sinceramente... Não posso hesitar de novo. Me arrependo de não ter me inscrito direto em artes cênicas.
- Bá, aqui é a minha parada - Disse a menina de óculos quadrados.
- Até amanhã.
- Até... Mas não desiste disso tudo...
- Não vou desistir... Não outra vez... - E curvou-se para o lado a menina de cabelos presos, para que passasse sem a interferência de suas pernas a amiga.
 
E assim o ônibus continuou rodando seu caminho, e eu me perguntando se um dia ela ainda mudaria de ideia acerca de todos os seus planos. Logo, minha parada também chegou, e a menina de cabelos presos desceu comigo. O estranho é que sua pobre conversa sobre fazer teatro me acompanhou por um longo tempo até chegar aqui. Quem sabe suas palavras não me acompanharão por toda a minha vida?
 
LUCIANA PONTES
 

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