sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A menina

Era uma vez uma menina. Ela, engraçada, risada alta, extravagante e malvada, quatorze anos de azar. A garota que brincava, que namorava, que quatorze sempre teve, ou nunca mais terá. A menina saidinha, saia levantada, blusa arregaçada, sem brilho no olhar... Pobre menina sem destino, a vida foi mais forte que ela. Rodada, embolsada, passada de mão em mão, por opção dela. Ela que, engraçada, ria da folia que seguia. Ela, quatorze. Ou mais nada. Garota de programa... programa de índio, chamada e desaforada, que dava. Quatorze, nem mais, nem menos. Velha o bastante para crescer, pequena demais para brincar, ela que corria rua abaixo, que subia ladeira e se encontrava com o amor que não era, que nunca foi e que nunca será. Ela que ele, pegava, usava, ela que gostava, ela que nem sabia o que estava fazendo. Ou sabia. Quatorze anos e saiu de casa. Quatorze anos e mais nada. Quatorze homens num só lugar. A menina amada. Festa todo dia, caia na gandaia, cerveja, drogas, sexo e funk, a garota do destino. Pulou o muro, a cerca, a casa, a vida. Pulou lá de cima, da sacada. Quatorze mais quatorze, ela não aguentava. Deixou mãe desleixada, pai sem compromisso, irmão sem nascimento, filho nem parido. Caiu da cama, cama alta, que rodava noites em claro. Que cada dia recebia um. Ou mais. Quatorze nem que seja de graça. Anos de azar. Azar dos outros, nunca dela, que dava. Dava a própria vida sem sentido, ao primeiro que a gostasse. Dela, mal encarada, que gozava de maus dias, de azar. Quatorze que não vão voltar. Quatorze que ela foi. Sua história se repete, roda o mundo como sempre, foge dos pais, dos parentes, da própria menina que o segue. Sua marca, apagada, não nos restou lembrança. Seu olhar, escondido, atrás de alguém que não sabia de nada, que enganava a si mesmo, fingindo ser amada, fingindo quinze. Fugindo aos quatorze. Saindo aos podres, juntando-se ao programa, programa de azar, onde mais que quatorze. Ela, se achando a donzela abandonada, a menina depravada, a garota sem sentido. Anos de baixaria, anos que não voltarão. Vida pulada, do céu da sacada, da janela escancarada, após a pior noite. Noite do pouco, do não satisfeito, do aperto no peito e do não arrependimento. Cada um na sua, com sua história. Ela, quatorze, que mal sabia contar, perdeu-se nos cálculos de andar, acabou não acertando o que queria. Ela, quebrada, à sacada não podia, ao terceiro caia e jamais levantava. Quatorze minutos de azar. De céu bem mais alto, de pedra doída, de visão apagada, de sacada caída, posição inventada quatorze caiu e ficou, mais acordada do que morta, mais quatorze minutos de azar. Ela que, engraçada, ria de tudo, não tinha mais risada. Sua vida largada, dava e dava, aos quatorze que a seguiam, aos homens que a "amavam". Por fim, jogada, o suspiro foi o último, o caminho apagado, a noite já saía, a saia levantada. Os anos que já não eram, a menina que já não existia.

E ela tinha apenas quatorze.


Luciana Pontes

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