segunda-feira, 17 de maio de 2010

Ventos

.História verídica.

O relógio marcava duas horas e eu descia do ônibus. As folhas outonais que se espalhavam pelo chão, logo após a parada, fizeram-me sentir as sobras de vida que ventavam com as árvores. Meu olhar percorria a terra que me sustentava... Era um dia nublado e as primeiras brisas frias levavam para longe as folhas mortas, levando junto consigo meus pensamentos. Eu carregava em mente um mau presságio e, em mãos, meus velhos patins. Estava na hora do treino. Encaminhei-me até a entrada do ginásio, enquanto refletia sobre a vida e seu fim. Sentia-me como se a morte se esgueirasse pelos arbustos toda vez que eu olhava para trás. Percorria-me pelo corpo aquela angústia de quem sabe que algo significativo estaria por vir. Guardei minhas reflexões no bolso e iniciei meu treinamento.

Enquanto deslizava por sobre o assoalho, lia assombrações que cercavam minha mente. Havia cenas de filmes, falas de livros e partes da vida, ou tudo que me retomasse o relógio e o fim dos tempos. Aos meus ouvidos chegavam os sons das folhas da rua que caiam na terra, e o rolar cansado de minhas rodas. Preparei-me para um giro. Ao apoiar o chão, numa tentativa simples de manter o equilíbrio, senti que algo aconteceria; e o tempo congelou.

Minhas pernas se enroscaram e eu parecia voar. Minha cabeça mirava o chão e meus olhos mantinham-se fixos no piso. Eu apenas sabia que não podia deixar que meu corpo tombasse de qualquer jeito no solo. Então eu me perdi. Não sabia onde estavam meus braços e meus patins estavam no espaço. Meu corpo apenas se expandia. De repente eu era grande e voava. E voei por muito tempo, até lembrar-me de que o relógio tinha que bater mais um segundo. E bateu. Num instinto, achei uma de minhas pernas (que subia o infinito sem rumo) e joguei-a ao chão. Ouvi a batida da roda do patins e nada mais. Tudo escuro. Nenhum som.




O relógio bateu um novo segundo. Eu passei a ouvir os sons do ginásio, vozes e outras rodas a rodar. Abri meus olhos. O foco demorou - o que eu diria uma eternidade neste meu tempo perdido - a chegar. Havia algo logo a minha frente, e eu me perguntava se era um pedaço de meu próprio corpo ou dos meus patins. Subiu-me uma dor provinda dos joelhos e dos quadris, e eu consegui destinguir o que aquele objeto era. Como numa daquelas cenas de filmes que pairavam sobre minhas ideias, o objeto era algo da qual eu deveria me lembrar. E, embora esta história não tenha trazido grandes aventuras nem fortes emoções, a folha seca que se encontrava, recém focada, a minha frente fizera-me pensar. O mesmo vento que escondeu-me os pensamentos havia trazido aquela folha... A mesma folha da rua. Aquela que sussurava, ao meu ouvido, sobre o resto de seiva que o outono havia lhe tirado, e escondia consigo, e para sempre, qual das brisas a tornara leve o bastante para voar.



Luciana Pontes [sem revisão]

4 comentários:

  1. muito pão pra pouca manteiga

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  2. Adorei :) vc escreve muito bem! :D
    Parabéns ;)

    PorBella

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  3. Nossa, você escreve muito bem!
    Estou seguindo você!
    Abraços e sucesso

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