sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Antes que o sol nasça VI

Antes que o sol nasça - Apenas um momento de loucura da garota que escreve.
(texto maluco)


Conto do Pastel


Peguei de cima da bancada um pastel velho e murcho e o comi. O gosto era simples, azar...Uma mostardinha melhoraria as coisas. Mas não havia mostarda, assim como não havia catchup nem qualquer outro condimento. Eu passava por uma fase difícil, pouca grana, carnês, empréstimos e outras dívidas que privavam alguns dos meus requintes. Eu teria que me acostumar com os problemas da vida. A falta de mostarda na minha casa era um, e dos grandes.

Meu pastel estava pela metade. Minha saliva havia cumprido seu trabalho até umas mordidas atrás, mas meu corpo sentia falta de algo mais picante. A imagem de uma mostarda flutuava pela minha mente, meu organismo gritava por sabores e minhas costas coçavam, eu suava, minhas mãos ardiam...

Eu encarava o pastel como um inimigo. Ele queria guerra, então teria. Era uma questão de honra vencer a secura dele e digeri-lo, mesmo com desgosto. Um guerreiro não pode-se mostrar fraco. Eu o mordia e ele gritava, "tempero, tempero", mas eu o calava com mais uma dentada. E ele era dos grandes, dos fortes, acho que era um dos líderes da pastelada...

Mas, como já era de se esperar, minha boca começou a amolecer. Meus dentes não fechavam em torno do resto de pastel e minha língua havia caído. Eu teria que mudar de estratégia. Meu cachorro me olhava, ele sabia que o momento era de tensão. Eu olhava para os lados, procurando por ideias e ajuda. Não conseguia dar nenhum passo, tinha sido tomado por uma paralisia instantânea. Mas ele havia de ceder...

O relógio tictaqueava na parede do lado, eu sentia a cozinha me comprimir e o chão ferver, mas eu continuava na luta. Faltavam duas mordidas. Eu tentava ficar longe da luxúria da mostarda, mas o pecado me consumia. Eu encostei meus dentes na casca mole que me sobrara e fechei meus olhos, "só mais essa".

Dei a mordida. Agora só faltava uma. Eu já me sentia a Eva tendo que dentar a maçã da árvore proibida, eu me sentia como Julieta ao ver seu Romeu morrer aos seus pés, eu já me perguntava o porquê d'eu ainda estar vivo... Minha vida se resumia a comer mostarda, só podia ser isso.

De repente, enchi-me de coragem. Eu tinha um caminho trilhado a minha frente, nada podia me deter. Meu pastel murcho me dava náuseas, mas havia um ideal no qual acreditar: a salvação pela mostarda, mesmo sem ela. Num gesto ousado, levei o último pedaço a boca. Não mordi, não era hora de sacanear o inimigo. Respirei o ar que me faltava e engoli. O pedaço trancou na minha garganta.

Um segundo depois eu estava jogado ao chão, chacoalhando-me em busca de ar! O maldito pedaço tentava me matar, preso no meio da minha goela. Meu cachorro me olhava e lambia sua região pudenta, "imprestável!". Minha visão estava ficando nublada, meu pulmão se comprimia, meu corpo parava... Meu coração...

Perdi a batalha. O pastel sem gosto perdeu também, mas me levou junto consigo. A mostarda, que sempre mostrou cumplicidade e sempre foi meu único caminho, me abandonou, enfim. Meu motivo existêncial me traiu!

De que, então, valeu todo o trabalho da minha vida?


Reflita.




Luciana Pontes

2 comentários: