quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Memórias perdidas I


Memórias de Wendy Moira Angela Darling
- pensamentos de uma noite qualquer-
Londres, 1959

Eu ainda lembro de sentir na pele do meu rosto o vento que caracterizava a chegada dele. No início, ele vinha até nosso quarto (meu e de meus irmãos) e, escondido, ouvia as histórias que eu sabia contar. Ele adorava aquelas sobre piratas e corsários brigando por tesouros, ou aquelas de princesas que precisavam ser resgatadas... João e Miguel, com seus pijamas de algodão, também ouviam as histórias, atentamente, enquanto estavam sentados em suas camas.

Mas o dia que jamais esqueci, certamente, foi aquele em que, sem querer, ele entrou no quarto. Por ir atrás de sua fadinha, acabou por fazer barulho demais derrubando minha caixinha de música no chão, veja só! Aquela noite, sua magia nos dominou e voamos pelas ruas de Londres em busca da Terra em que jamais voltarei a pisar.

E tantas aventuras vivi lá.

Às vezes, penso se minha vida teria sido diferente se tudo isso nunca tivesse acontecido. Nada de Peter, nem Sininho, nem Crocodilos com relógios no estômago... Teria minha vida tomado um rumo tão diferente? Seria eu menos amargurada com as minhas escolhas? Eu poderia viver sem sentir essa brisa da noite que tanto me fez sonhar?

Ah! Peter! Como, hoje, deve estar? Ainda a brigar com os Piratas, com certeza, e festejar com os Índios depois... Ainda deve voar sobre as águas do Rio e ouvir o canto das Sereias... Ainda deve ser menino demais para entender porque eu escolhi outra vida para mim.


Agora, ouço os ruídos da noite fria de Londres. Jamais senti-me tão viva quanto me
senti, um dia, lá, naquela terra distante. Jamais fui feliz plenamente sabendo que a felicidade me esperava em outro lugar. Mas agora é tarde! É tarde demais para querer ser alguém que escolhi não ser... É tarde para querer ouvir de sua voz o pedido de que fique na Terra do Nunca! Veja como estou... Encostada no peitoril da janela - a qual nunca tornei a fechar - esperançosa de que o tempo volte e eu possa me aventurar pelos ares novamente... E, veja como estou... Velha, descalça, meus cabelos brancos estão soltos... Estou velha, Peter, agora não adianta mais... A cada dia que passa confundo a verdade com os meus sonhos. Já não sei se conheci você realmente ou se apenas sonhei. E qual sonho, então, seria esse!

Eu estou aqui, como sempre estive... Esperando por você na mesma janela de sempre. Sei que esperarei eternamente, porque você não há de voltar, menino.

Peter, me desculpe, mas eu cresci...



(Baseado na obra Peter Pan, de James Barrie)

por LUCIANA PONTES.

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